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''As pessoas querem saber que existe alguém no cockpit''

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Autor de um livro sobre a relação homem-máquina nas missões Apollo, ele diz que o dilema é "tão antigo quanto a aviação"

Herton Escobar

Qual é o piloto mais confiável: o automático ou o humano? A pergunta que veio à tona após a queda do Airbus A330-200 da Air France (considerado um dos aviões mais modernos do mundo) sobre o Oceano Atlântico, no fim de maio, já era feita 40 anos atrás, quando o homem se preparava para chegar à Lua pela primeira vez. Afinal, quem deveria comandar o voo da espaçonave até o solo lunar: o cérebro biológico de Neil Armstrong ou o software de navegação desenvolvido pelos engenheiros do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT)?

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A "espaçonave", ou módulo lunar, tinha plenas condições de fazer um pouso sozinha, sem a necessidade de um piloto à bordo. Mas os astronautas se recusavam a ser meros passageiros. E quando o piloto automático ameaçou abortar o pouso da Apollo 11, por causa de uma falha na aproximação, Armstrong assumiu o controle manualmente e colocou o módulo no chão em segurança.

O drama se repete agora, nas investigações do acidente do voo 447 da Air France, em que alguns questionam um suposto "excesso de automação" das aeronaves da Airbus. "É um dilema tão antigo quanto a aviação", conta o pesquisador David Mindell, professor de história da engenheira no MIT e autor de um livro sobre a relação homem-máquina no Programa Apollo (Digital Apollo, ainda sem tradução no Brasil).

Ele conversou com o Estado por telefone.

Qual foi a importância desse debate "homem versus máquina" na preparação para missões lunares?

O objetivo maior do Programa Apollo era provar que os americanos eram capazes de pisar na Lua, por isso era importante mostrar que os pilotos estavam no comando. O pouso na Lua foi controlado 100% por computadores até algumas centenas de metros do solo, quando o piloto assumiu o controle do módulo - ainda assim, porém, dentro de um sistema semiautomatizado. Foi assim na Apollo 11, com Neil Armstrong, e em todas as missões seguintes. Na verdade, era impossível fazer uma pilotagem totalmente manual no ambiente lunar.

E chegou-se à conclusão de que esse era o melhor modelo?

Você pode apontar para um monte de problemas e anomalias, mas o fato é que, em seis tentativas, eles fizeram seis pousos. Não dá para pedir resultado melhor do que esse. Se tivessem feito mais missões, é provável que teriam tentado fazer um pouso automatizado. Jim Lovell, que era o comandante da Apollo 13, disse que pretendia usar o piloto automático para pousar e teria feito isso, se não tivessem tido problema em órbita. A Nasa está passando pelo mesmo debate agora, tentando decidir quanto controle os pilotos deverão ter nas futuras missões lunares. Estão pensando muito sobre isso.

Já há uma preferência por algum modelo?

Ainda falta muito tempo para a volta à Lua, então eles estão mantendo todas as opções abertas por enquanto. Minha impressão é que eles optarão por um pouso totalmente automatizado, mas com a possibilidade de intervenção humana, se necessário. Algo parecido com o sistema da Airbus hoje.

Quanto dessa discussão é técnica e quanto é uma questão de orgulho ou heroísmo dos pilotos?

Acho que é uma mistura das duas coisas. Certamente há questões técnicas que são críticas, mas também há questões humanas acerca dos pilotos. As pessoas querem saber que há alguém no cockpit a quem elas podem confiar sua vida.

Qual a posição dos astronautas?

Eles queriam pilotar tudo, com certeza! De início, queriam até pilotar o foguete Saturno desde o chão até o espaço, mas nunca permitiram que eles fizessem isso, é claro. No fim das contas, eu diria que eles pilotaram menos de 1% do tempo das missões.

Eles acabaram mudando de opinião ao longo do programa?

Acho que eles eventualmente se convenceram de que o computador poderia fazer um trabalho melhor. No início, eles não tinham noção de que, quando se está na Lua, você não tem ideia da distância das coisas, porque não há nenhum ponto de referência, nenhum prédio, caminhão ou árvore que possa te dar uma noção de escala na paisagem. A verdade é que não havia como pousar na Lua sem a ajuda dos computadores. Além disso, o Módulo Lunar não podia ser pilotado como um avião. Por exemplo, tinha 16 propulsores de estabilização. Nenhum ser humano consegue controlar 16 pontos de propulsão ao mesmo tempo.

Esse debate também ocorreu com os ônibus espaciais?

Os ônibus espaciais (shuttles) têm um sistema de pouso automatizado, como o de um Airbus, mas que nunca foi usado. Os astronautas sempre o desligam na parte final do voo e fazem um pouso manual.

Então eles pousam o shuttle como se fosse um avião comum?

Sim. Mas só no momento do pouso. Do momento em que o shuttle está em órbita, faz a reentrada na atmosfera e se aproxima do solo, o voo é completamente automatizado, controlado pelos computadores de bordo. Apenas uma vez a tripulação fez um voo manual desde o espaço até o pouso.

Por que alguma coisa deu errado no piloto automático?

Não, só para provar que podia ser feito. Acho que foi o segundo voo do shuttle, bem no início do programa. Os soviéticos, por outro lado, construíram uma cópia do ônibus espacial e fizeram um voo completo sem pilotos, totalmente automatizado. A nave foi até o espaço e voltou sem problemas. É perfeitamente possível de ser feito.

O senhor acha que um dia haverá voos comerciais desse tipo, sem pilotos, controlados totalmente por computador?

Certamente haverá aeronaves totalmente automatizadas. Os militares já estão trabalhando com isso. É provável também que esse voos orbitais comerciais, que estão sendo desenvolvidos para levar pessoas ao espaço, sejam feitos sem pilotos. Mas, quando você olha para o que aconteceu em Nova York, quando um piloto pousou no Rio Hudson, acho que a ideia de aviões de carreira automatizados fica bem distante. Eis aí um exemplo de uma situação de emergência, em que o piloto pensou em uma solução, fez uma intervenção fora do comum e salvou a vida de todos que estavam à bordo. Quão rara precisa ser uma situação dessas para que as pessoas se sintam à vontade sem ter um ser humano no cockpit?

Hoje há duas correntes na aviação comercial, uma que defende mais automação das aeronaves (caso da Airbus) e outra que prefere dar mais autonomia aos pilotos (caso da Boeing). Há um estudo que demonstre qual é o melhor modelo?


Ainda não. Como os acidentes são muito raros, é difícil demonstrar segurança - se segurança for definida como a ausência de acidentes. Por isso estamos procurando maneiras alternativas de medir essas coisas. No caso da queda do Air France, o acidente ocorreu em altitude de cruzeiro, quando quase todas as aeronaves estão com o piloto automático ligado. A pergunta é: será que o piloto automático deu algum problema e a tripulação não foi capaz de controlar o avião manualmente naquela situação?

No caso dos aviões da Airbus, o computador pode até ignorar uma ordem do piloto, se entender que ele está fazendo algo "errado". É certo que o computador tenha a "última palavra" no cockpit?

Esse foi exatamente o debate que tiveram no Programa Apollo, quando se perguntava: "O computador deve permitir que o piloto faça algo perigoso?" No final, os pilotos venceram com o argumento de que "uma manobra arriscada pode salvar nossas vidas", dependendo da situação. Ao mesmo tempo, porém, os pilotos cometiam erros e havia mecanismos para que os computadores pudessem corrigi-los.

Qual é a sua posição pessoal sobre o assunto?

Devo dizer que mudei um pouco de opinião enquanto escrevia o livro. Achava que o controle humano era um tanto desnecessário, mas agora acredito que o modelo adotado no Programa Apollo foi o ideal, com uma participação mais ativa dos pilotos. Mas é claro que as circunstâncias nesse caso são diferentes do que ocorre na aviação comercial. Pousar na Lua é uma operação muito fora do comum, enquanto que pilotar um avião comercial é uma operação de rotina. Claro que é possível fazer um voo 100% automatizado. Porém, se é para ter um ser humano no cockpit, então é importante ter um sistema de treinamento que mantenha as habilidades do piloto sempre atualizadas. Oficialmente, o piloto é um backup para o computador. Mas, se ele não estiver bem treinado, ele não é um backup.





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