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Air France 447 - Queda livre e sistema em pane são únicas certezas do Voo 447


Atentado e de queda por tempestade elétrica são 'improváveis'; avião emitiu sinais de problemas por 4 minutos

SÃO PAULO - Um avião em queda livre com seus sistemas eletrônicos em pane. É isso o que os investigadores já têm certeza de que aconteceu com o A330-200 do voo 477 da Air France. As dúvidas, no entanto, persistem. Clima, granizo e perda do controle estão no centro do mistério sobre o Airbus 330-200, que partiu do Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio de Janeiro, com destino a Paris e desapareceu no Oceano Atlântico. Segundo informa o jornal Folha de S. Paulo, a aeronave não seguiu a altitude prevista pelo plano de voo quando o aparelho foi detectado pela última vez pelos radares de Fernando de Noronha. O Voo 447 deveria subir de 35 mil pés (10,7 km) para 37 mil pés (11,3 km), o que não foi feito. As causas são desconhecidas, inclusive se os controladores de voo autorizaram a manutenção da altura.

Sem gravações de diálogos com o comandante do voo, as dúvidas só poderão ser dirimidas a partir das caixas pretas da aeronave, ainda perdidas. As duas das primeiras hipóteses aventadas - a de que raios pudessem ter abatido a aeronave e a de um ataque terrorista - foram descartadas, ou quase. Para o diretor-geral do Departamento de Aviação Civil da França, Patrick Gandil, a sequência de uma dezena de mensagens automáticas enviadas em um intervalo de quatro minutos a partir de 4h13min (23h13min de Brasília) indicam que não houve "despressurização explosiva", a destruição, parcial ou total, do aparelho - o efeito mais plausível provocado pela explosão de uma bomba.

As mensagens automáticas recebidas pela sede da Air France, em Paris, indicam que a tragédia do voo 447 se desenhou em apenas 4 minutos. O primeiro sinal de um possível problema a bordo chegou às 23h10 (hora de Brasília) do domingo, dando conta de que o piloto automático do Airbus A330-200 havia se desconectado. As mensagens seguintes apontam para uma sucessão de graves panes em alguns dos principais computadores do jato. O último alerta foi emitido às 23h14: "cabin vertical speed" (cabine em velocidade vertical, na tradução do inglês).

Instabilidade climática

Especialistas indicam que uma das hipóteses seria de que a área de instabilidade climática que transitava a faixa equatorial do oceano Atlântico no momento do voo possa ter levado à alteração súbita e imprevista da rota, possivelmente fruto de um processo de congelamento e dano dos principais mecanismos de orientação da aeronave. Porém, o jato é equipado com radares capazes de prever condições meteorológicas adversas na rota e escapar do núcleo de cumulus nimbus, onde a instabilidade é ainda maior.

"O avião não foi destruído de um só golpe. Está claro", sentenciou o executivo. Para Gandil, as chances de graves avarias provocadas por uma tempestade elétrica também "são remotíssimas", já que aeronaves como o Airbus A330-200 são projetadas para enfrentar descargas elétricas elevadas sem riscos de panes. "A incidência de raios sobre um avião acontece com muita frequência e os equipamentos estão preparados para resistir a seus efeitos. É uma situação altamente improvável", definiu.

O mesmo parecer tem o Escritório de Investigações de Acidentes (BEA) da França, o órgão encarregado das enquetes em caso de acidente aéreo envolvendo aviões matriculados no país - caso do Airbus A330-200 que fazia a rota Rio-Paris. De acordo com o ministro da Ecologia e dos Transportes, Jean-Louis Borloo, porém, os técnicos da BEA não acreditam na chance de uma tempestade elétrica ter sido decisiva para a sorte dos passageiros. "Os experts não creem que um simples raio, que no fundo é algo clássico na aeronáutica, teria provocado a perda do aparelho", disse Borloo, reiterando o mistério que cerca o caso: "É preciso que haja uma sucessão de eventos extraordinários para explicar ou tentar explicar a situação".

De acordo com especialistas, massas de ar similares à enfrentada pelo voo AF 447 podem transportar grandes volumes de granizo. Em casos extremos, a área de instabilidade pode envolver uma aeronave do parte do A330-200 com cinco a seis toneladas de gelo, condição capaz de gerar danos nos sistemas de navegação.

Em caso de percurso errático, o acionamento do controle automático pode ser detonado, retirando o comando da tripulação e levando a aeronave a desvios súbitos de trajetória, com ganho ou perda radical de altitude e aceleração superior à suportada pelo equipamento. Jean Serrat, ex-comandante e membro do Sindicato Nacional de Piloto da França lembra ainda que, caso o piloto tenha decidido alterar a rota do avião elevando de forma brusca sua altitude, com o intuito de evitar a instabilidade, o desempenho do aparelho pode ter sido insuficiente. "Nem todos os aviões são capazes, seja por seu peso, seja por seu desempenho, de passar por sobre as tempestades que se formam na região da linha do Equador", explica.

Todas essas cogitações, entretanto, esbarram nas condições meteorológicas diagnosticadas na noite do acidente. De acordo com o instituto Méteo France, as condições no momento do trânsito do avião pelo Atlântico não eram as piores possíveis. Prova disso: outras aeronaves atravessaram a mesma região de instabilidade sem sobressaltos. O certo é que sem a caixa preta do aparelho, poucas das dúvidas que cercam a queda do Airbus poderão ser esclarecidas.

De acordo com a quantidade de material a ser coletado, os peritos poderão reconstituir a aeronave, ou parte dela, e conhecer as causas do acidente. Se houve uma explosão severa da aeronave, os destroços ficaram espalhados por vários quilômetros. As correntes marítimas naquele trecho do Oceano Atlântico também empurram os pedaços rumo ao litoral brasileiro.

Falta de comunicação

Não há explicação, ainda, sobre a falta de comunicação com o controle aéreo do Recife. Isso pode indicar que o problema que afetou o avião foi repentino e severo, sem dar tempo para que a tripulação entrasse em contato por rádio com os controladores de voo. Sabe-se que, minutos antes do acidente, uma comunicação por rádio com a base do Recife informou que não havia problemas climáticos por volta das 23 horas (horário de Brasília).

Momentos depois, às 23h10, o próprio avião enviou comunicado à Air France de que o piloto automático havia sido desligado e o sistema fly-by-wire também teria sido desligado. Isso pode ter sido feito pelos pilotos em uma tentativa de controlar manualmente a aeronave durante uma forte turbulência, o que seria algo desaconselhado a fazer. Além disso, a tripulação em um momento de crise concentraria a atenção na tentativa de recuperar o controle do jato. Os sinais automáticos emitidos pelo A330 continuaram informando que outros sistemas de controle do jato deixaram de funcionar até que as 23h14, após uma série de panes elétricas, o avião mandou uma mensagem indicando que estava, possivelmente, em queda vertical.

Falta de instrumentos de voo

Uma das hipóteses levantadas por pilotos e experts em segurança de voo é a possibilidade de o avião ter ficado sem instrumentos de navegação e ter se acidentado. Não há explicação para o início desses problemas que teriam provocado pane nos instrumentos. Tanto pode ser um raio como outro problema gerado na chamada "baia eletrônica", onde ficam os computadores que controlam os equipamentos do avião. Nos anos 90, curtos-circuitos em sistemas elétricos podem ter derrubado aviões como um MD-11 da Swissair e um Boeing 747 da TWA no litoral da América do Norte.

Decolagem

As autoridades francesas afirmaram que não há dados para afirmar que o avião da Air France da apresentava problemas antes de decolar do Rio de Janeiro com destino a Paris. O Escritório de Pesquisas e Análise (BEA, na sigla em francês) comunicou que "nenhum fator leva a pensar que o avião tinha um problema antes de partir do Rio".

Tragédia em 4 minutos

A sequência das últimas mensagens, obtidas pelo Jornal da Tarde, começou às 23h, 20 minutos antes do horário previsto para o Airbus ingressar no espaço aéreo do Senegal, na costa oeste da África. Por meio do sistema Acars (sigla em inglês para Sistema de Comunicação e Reporte), a tripulação informou por escrito à companhia aérea que atravessava uma área sobre cumulus nimbus - região de instabilidade formada por nuvens carregadas de eletricidade, no interior das quais ocorrem rajadas de ventos e tempestades com possibilidade de relâmpagos. Até então, não havia nada de anormal com o voo.

Dez minutos depois, o Acars dispara uma mensagem automática indicando que o piloto automático havia se desconectado. A ação não é atípica e pode ter sido uma iniciativa dos pilotos ou dos próprios sistemas do avião, que "devolvem" os controles para a tripulação sempre que detectam falhas críticas, como uma divergência de cálculos entre o piloto e o copiloto automáticos. A mudança de comando, ao contrário do que se pode imaginar, não pega a tripulação de surpresa, mesmo porque é quase instintivo para a maioria das tripulações colocar as mãos sobre os controles direcionais - joystick, no caso dos Airbus - durante fortes turbulências.

A mensagem seguinte informa que o fly-by-wire (sistema eletrônico de controles das superfícies móveis do avião) passou para o regime de alternative law - um dos estágios da intrincada rede de "proteção por envelopes" dos Airbus. Segundo um especialista nesse tipo de avião, o indicativo de alternative law aponta para uma degradação dos sistemas informatizados do jato.

Todas as mensagens transmitidas nos minutos seguintes indicam mais falhas em computadores essenciais ao voo. Os Adirus (sigla em inglês para Unidade de Referência Inercial em Voo), por exemplo, fornecem, entre outros dados, orientação espacial aos pilotos. Outro que apresentou pane é o chamado Isis, monitor que mostra à tripulação a velocidade vertical no ar e altitude. Sem esses instrumentos, dizem investigadores militares, os pilotos contariam apenas com parâmetros mínimos para a navegação aérea, mas ainda assim suficientes, ao menos por alguns minutos, para manter o avião estabilizado e voando. A hipótese mais provável aqui é de que, desorientada, a tripulação não tenha conseguido controlar a aeronave, fazendo com que ela perdesse sustentação e caísse 11 mil metros de altitude.

Com Bruno Tavares, Eduardo Reina, Marcelo Godoy, Daniel Gonzales e Andrei Netto






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