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Air France 447 - Especialistas não descartam falha no avião da Air France


SÃO PAULO - Em meio aos inúmeros mistérios que envolvem o acidente com o Airbus A330 da Air France, especialistas tentam agrupar os poucos fatos conhecidos para começar a desenhar uma explicação. " Ainda não dá para falar das causas, mas é possível esclarecer a lógica por trás da investigação " , afirma Moacyr Duarte, pesquisador especialista em análise de acidentes e controle de emergência do Centro de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Segundo ele, fenômenos meteorológicos por si não seriam o bastante para abater uma aeronave como o A330, equipada com diversos recursos que a protegem e com radares capazes de alertar a tripulação sobre condições climáticas muito severas. Portanto, diz Duarte, é preciso que tenha havido também alguma falha na aeronave para explicar o acidente. " Algo ocorreu no avião que não é normal, isso é certo " , afirma, falando do acidente com a aeronave, na qual estavam 228 pessoas.

O coordenador do curso de engenharia aeronáutica da USP São Carlos, Fernando Martins Catalano, também reforça a afirmação de que fenômenos como tempestade e raios não podem ser o fator determinante de um acidente aéreo. A hipótese de a aeronave ter sido atingida por raios é considerada, mas apenas como uma parte do evento. Os aviões são protegidos contra raios e preparados para enfrentar condições climáticas adversas. " Acidentes aeronáuticos não acontecem por conta de uma razão só. O que pode ter ocorrido é uma forte turbulência combinada por raios e outros fatores " , diz ele.

Carlos Camacho, diretor de segurança do Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA), acredita que o piloto pode ter sido surpreendido por uma tempestade de raios muito forte, com consequências que deixaram a tripulação impossibilitada de agir. " Não se sabe o que o piloto encontrou em seu percurso. Caso tenha sido uma tormenta com raios, a fiação da aeronave pode ter sido um ponto frágil " , diz.

Uma eventual falha na aeronave ainda não é conhecida, mas já é possível imaginar com certa dose de certeza as suas características. " Foi uma falha catastrófica, vinda com efeito ? míssil ? e incapacitante " , afirma Duarte. O " efeito míssil " caracterizaria um espaço de tempo curtíssimo entre o surgimento da falha e a manifestação de suas consequências no avião.

Essas consequências, por sua vez, teriam incapacitado a tripulação de agir, o que explicaria por que não houve contato dos pilotos sobre os problemas enfrentados. A interpretação é compartilhada por Catalano, que destaca que a falta de comunicação da tripulação indica que o evento foi muito rápido.

Apenas mensagens automáticas foram enviadas pela aeronave ao controle da companhia Air France em Paris após o último contato com o controle de voo no Brasil informando sobre problemas elétricos, de despressurização e de redução da potência dos motores.

Um exemplo de causa incapacitante citado por Duarte é o que ocorreu no acidente entre o Boeing 737 da Gol e o Legacy, em setembro de 2007. Ao ser atingido na asa pelo Legacy, o Boeing imediatamente iniciou uma queda livre em espiral, o que inviabilizou qualquer atitude da tripulação.

Para Camacho, do SNA, uma outra hipótese para que a tripulação não tenha conseguido entrar em contato é a ocorrência de uma pane total no sistema elétrico do avião. " Estamos só especulando, o sistema elétrico pode ter sido comprometido. Essas aeronaves são equipadas com sistemas que permitem comunicação mesmo em caso de acidentes, mas ela não foi feita " , diz ele.

Aos poucos, os detalhes começam a fazer toda a diferença na investigação. O fato de os destroços do A330 terem sido encontrados num área de cinco quilômetros do oceano, por exemplo, pode ser um indício de que o avião não explodiu em altitude elevada, diz Duarte. " O raio de localização dos destroços seria muito maior se uma explosão dessa forma tivesse ocorrido. "

Nesse sentido, a recuperação dos destroços do A330 deverá ser fundamental para fornecer mais pistas. Para Duarte, também fará muita diferença saber se os sinais enviados pela aeronave - de que ela sofreu tanto despressurização quanto panes elétricas - foram registrados na ordem correta dos eventos. Dependendo da sequência de acontecimentos, as conclusões sobre o que realmente levou à tragédia serão distintas.

As dificuldades, porém, são enormes, visto que não se sabe a quantidade de destroços recuperáveis nem a chance de que a caixa-preta seja encontrada, até pela profundidade do oceano na região. " O aspecto mais lamentável do acidente é que talvez não seja possível aprendermos com ele " , afirma Duarte.

Os obstáculos para compreender o que ocorreu com o A330 aumentam quando são examinadas as estatísticas de acidentes aéreos. Elas mostram que a possibilidade de um avião em velocidade de cruzeiro - ou seja, já estável, com altura e velocidade ótimas - sofrer um acidente são mínimas. Apenas 4% dos acidentes acontecem durante esse período do voo, segundo Catalano. " É uma posição em que a aeronave enfrenta pouca instabilidade " , diz. O mais comum é acidentes ocorrerem por conta de complicações no pouso ou decolagem.

Os especialistas ressaltam que a área atravessada pela aeronave não é considerada perigosa, apesar de ser uma zona tipicamente com nuvens. " Temos voos diários pela região, que é conhecida por sua turbulência, mas os aviões são capazes de enfrentar, por isso acredito que existe um conjunto de causas do acidente, alguma falha estrutural " , diz o coordenador da USP São Carlos.

Outra dúvida é que não se sabe se as mensagens sobre falha elétrica foram enviadas antes ou depois do acidente, ou seja, se elas foram causa ou consequência do problema.

(Roberta Campassi e Samantha Maia | Valor Econômico)





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