Brasil - Entrevista Ministro da Defesa Nelson Jobim
DEFESA@NET 15 Março 2009
JB 15 Março 2009
Luiz Orlando Carneiro,
Marcelo Ambrosio, Raphael Bruno
BRASÍLIA - De volta ao Brasil após viagem ao Chile, onde defendeu, em reunião do Conselho Sul-Americano de Defesa, uma aproximação das posições dos países membros, o Ministro da Defesa, Nelson Jobim, revelou, nesta entrevista exclusiva concedida ao JB, detalhes da polêmica que envolveu o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, e a liberação de voos adicionas no Aeroporto Santos Dumont. Jobim conta que tentou, em vão, convencer Cabral de que o aeroporto era subutilizado e que a decisão da Agência Nacional de Aviação Civil de ampliar o uso do Santos Dumont era “autônoma” e baseada na legislação. O ministro também adiantou que, até agosto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva toma uma decisão final sobre a concessão do Aeroporto do Galeão. Jobim deixa claro que, após a superação da crise aérea, resta resolver a questão da infraestrutura dos aeroportos brasileiros e a iniciativa privada tem papel importante a desempenhar na tarefa. O ministro rebateu críticas à nova Estratégia Nacional de Defesa, a classificando como “consolidação da transição democrática” e interpretando possíveis retaliações internacionais às aspirações nucleares brasileiras como “parte do jogo”, além de reiterar a posição do ministério contra a revisão da lei de anistia. “O que a gente tem que fazer é tentar aproximar o futuro do presente e não trazer o passado para o presente”, diz.
Como foi a reunião do Conselho-Sul Americano de Defesa?
Nós tínhamos faixas de interesse comum em relação à questão de defesa. Em relação às áreas marítima, tínhamos um problema comum, que é a linha externa da orla continental marítima. Os países podem ter, a partir da costa, as famosas 200 milhas. No entanto, a Convenção do Mar da ONU fixa a possibilidade de estender essas 200 milhas até o máximo de 350 milhas. Temos que ter uma linguagem comum sobre esse assunto. O Uruguai estava fazendo uma extensão menor do que a nossa na parte final da sua divisa. Não era possível que nós continuássemos nessa linha, ou seja, de irmos para um encontro internacional, o argentino conversar comigo na porta e depois não tem entendimento nenhum. Nós não seremos fortes desta forma.
A questão da definição da extensão da plataforma continental tem uma relação direta com as descobertas do Pré-Sal...
Pode ter tornado interessante. Mas a decisão de fazer o trabalho começou na época do governo Fernando Henrique. A Marinha e a Petrobras levaram oito anos fazendo pesquisas em todo o litoral. E aí apresentamos à ONU, a ONU respondeu, fez algumas observações, que nós temos agora que responder. E eu chamei a atenção para os outros países que existe esse problema e que nós tínhamos que fazer um entendimento comum. Você chega lá com bancada, não chega isolado.
O senhor assumiu o Ministério da Defesa tendo como meta prioritária, urgente, resolver o caos aéreo. Passada essa fase, quais são as prioridades?
O caos era decorrente da falta de coordenação. A Infraero tinha uma agenda, a agenda da Anac era outra, e cada diretor tinha a sua agenda, com conflitos. O que encontrei? Em determinados aeroportos tinha pistas, mas não tinha estacionamento. Em outros tinha pista, mas não tinha terminal. Outro tinha terminal mas não tinha estacionamento. Um horror. Então as coisas chegaram a tal forma que deu problema no Aeroporto de Congonhas. Por que? As pessoas começaram a viajar, começou a aparecer dinheiro na mão de pessoas que não usavam avião. Quando eu assumi, Congonhas estava muito acima da sua capacidade de pista e do conjunto do aeroporto. Nós reduzimos e começamos a reformar todo o sistema e demos um tempo para reformar a malha aérea. As empresas ofereciam a sua proposta de malha aérea para ser analisada num momento em que elas já tinham vendido passagens. A malha não estava aprovada e as passagens estavam vendidas. O sistema se normalizou porque você começou a fazer uma malha compatível à infraestrutura aeroportuária e com a própria capacidade das empresas. O trabalho que a gente desenvolveu com a Anac foi, primeiro, criar a SAC – Secretaria de Aviação Civil – para tentar trazer para dentro do ministério a organização do sistema. Agora, em relação à aviação civil, o que resta é o problema da melhoria da infraestrutura. Então abrimos a discussão da concessão dos aeroportos.
O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, esteve reunido com o senhor tentando evitar a liberação de mais voos no Aeroporto Santos Dumont. Como foi essa conversa? E qual a posição do ministério em relação às privatizações de aeroportos?
A Infraero é uma empresa que não tem patrimônio. A Infraero é uma gestora de aeroportos, só isso. Ou os aeroportos são da União – o Galeão, o Santos Dumont – ou são do Estado – Congonhas – ou em alguns casos são dos municípios. A Solange (Vieria, presidente da Anac) começou a insistir muito no problema de fazermos concessões de aeroportos para viabilizar concorrência dentro do setor. Houve uma reunião, e o presidente concordou que fossem feitos estudos para concessão do Galeão. Não se justifica que a gente pegue o dinheiro de investimento público, e invista num setor cujo número de pessoas que usufrui é muito reduzido em relação à população total do país. Porque não colocar o setor privado nisso? O setor privado faz aeroporto. Então, com isso, a Anac está fazendo a formatação dos editais de concessão dos aeroportos. Nós temos aí pressões futuras, Copa do Mundo, Olimpíadas. Com essa discussão quem trabalhou muito foi o Sérgio Cabral. Mas o Sérgio Cabral falava na entrega do aeroporto do Galeão para o estado do Rio de Janeiro administrar e eles fariam a concessão. E a decisão que o presidente tomou foi de que quem iria fazer a concessão é a União. E a União é quem tem que fazer porque ela é a dona do aeroporto. Num determinado momento, vetaram o uso do Santos Dumont e o mantiveram apenas para a ponte aérea, com a perspectiva de fazer com que as empresas usassem o Galeão. Só que tem um problema. No nosso sistema legal temos o sistema da liberdade de rota. Quem escolhe o aeroporto é a empresa. Agora, se nós vamos dar a ela ou não aquele lote depende da capacidade do aeroporto, do espaço aéreo, aquelas coisas todas. Então, nessa reunião, no Palácio, eu fui fazer uma exposição e mostrar ao Sérgio Cabral que era inevitável que nós abríssemos o Santos Dumont porque estava subutilizado e havia pretensões de utilizá-lo, porque é no centro do Rio de Janeiro. No mundo todo o voo executivo, o voo doméstico, busca o centro da cidade. Quem busca o fora do centro da cidade é o voo internacional. Mostrei a ele os números, mas ele e o secretário Júlio Lopes acham que isso vai destruir o Galeão, que não sei o que mais. Na nossa análise não tem sentido. Eu disse a eles: eu não posso fazer nada porque a Anac é uma agência autônoma. Eu só vim aqui tentar mostrar para vocês que isso ia acabar com uma decisão judicial. E acabou havendo uma decisão judicial em favor da Azul, que tinha ajuizado ação para voar no Santos Dumont. Não se justifica ter um ativo perdido daquele jeito. De outra parte, política de gestão de aeroporto é política da lei. A Anac tem a obrigação de cumprir a lei e não a política do governo. Nem do governo estadual.
E a concessão do Galeão?
A ideia é que possamos, até o fim de julho, concluir a formatação da concessão do aeroporto. Em agosto o presidente toma a decisão. Não é bem privatizar, é fazer a concessão dos aeroportos, que estabelece uma forma de avaliação dos serviços prestados pela Infraero.
E como anda a implantação da Estratégia Nacional de Defesa? Como o ministério pretende administrar a insatisfação que alguns generais demonstraram em relação a algumas diretrizes?
O general que declarou insatisfação não tem nada a administrar porque é absolutamente indiferente, foi para a reserva, se liberou. O negócio da estratégia foi o seguinte: Eu disse ao presidente que nós tínhamos um problema político, sério, e eu queria saber se ele queria enfrentar ou não. Quando houve a transição do governo militar para o governo civil, leia-se governo Sarney, nós começamos o processo de transição do regime militar. E o processo de transição do regime militar tem características como o afastamento progressivo de militares das decisões políticas, redução da participação dos militares na administração pública, desaparecer do poder de veto dos militares às decisões políticas. Em 1988, quando fizemos a Constituição, quem quisesse falar em Defesa era mal visto, porque estava no nosso imaginário, inclusive no meu, de que mexer com Defesa era mexer em perseguição política, repressão. O que aconteceu? Durante esse período, tudo que dizia respeito à questão de defesa ficou absolvido pelos militares, porque o espaço estava lá. E havia a necessidade de fazermos com que a defesa fosse tema civil e que nós, do governo democrático, assumíssemos a tarefa. É o processo de consolidação da transição democrática. O que significava uma redução da autonomia militar. Comecei fazendo alguns gestos para deixar claro que os civis começavam a ocupar os espaços que eles não tinham ocupado, que são espaços de civis, que é a formulação da política de defesa. A execução da política de defesa, e as probabilidades estratégicas das decisões do governo democrático, era função militar. Mas eles estavam fazendo a outra coisa também.
Jobim garante que Ministério não tem arquivos da repressão
No plano externo, existe uma preocupação com outro tema polêmico da estratégia, que é a questão de vetar qualquer acordo novo de não-proliferação nuclear? Existe algum receio de retaliação da comunidade internacional?
O Brasil assinou o tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, mas nós temos toda a tecnologia. E aí surgiu o seguinte problema: nós precisamos da energia nuclear para a Marinha, porque nós temos 4,5 milhões de quilômetros quadrados para tratar. O submarino convencional é um submarino que tem autonomia e velocidade muito menor, ao passo que a turbina do submarino nuclear é muito mais silenciosa e muito mais rápida. Então se decidiu a linha do submarino. Paralelamente, vem a nós o protocolo adicional. Aí já foi uma decisão presidencial. Houve uma discussão com o presidente no Palácio sobre isso. O Ministério das Relações Exteriores foi resistente em relação a isso e o Ministério da Defesa afirmando a necessidade de nós não admitirmos o protocolo adicional, porque inviabilizava o Brasil na pesquisa da tecnologia nuclear. E nós precisávamos da tecnologia nuclear. Para a defesa, que é o submarino, e para a produção de energia elétrica. Vamos ter, evidentemente, problemas. Mas isso faz parte do jogo. Agora quero lembrar o seguinte: a Índia não participou do Tratado de Não-Proliferação e teve tratamento diferenciado. E se desenvolveu. Israel também... Todos. Então, por isso, houve uma decisão política do presidente: não vamos assinar.
E como fica a questão financeira em meio à crise?
Aí que está o ponto, que era a grande distorção ou a forma de impedir que você acessasse o tema. Não adianta fazer nada porque não teremos dinheiro. Logo, não faz nada. Ou é uma ideia equivocada ou é uma forma de linguagem para evitar que se enfrente o assunto. Outra coisa: os equipamentos não são os equipamentos que antigamente se dizia que os militares queriam ter. São equipamentos que decorrem da necessidade do poder civil, das tarefas a serem desenvolvidas. Aí surgem os dois pontos da manifestação desses militares que estão indo embora, felizmente, que são a questão da Secretaria de Compras. O que encontrei aqui? Encontrei cada força com estruturas de compras muito competentes, mas a decisão da compra era deles. Isso não é decisão para militar, é decisão para civil.
A estratégia prevê um aumento razoável nos gastos de Defesa. Como fazer para convencer os governantes e a própria sociedade da importância destes custos?
Tornando a defesa alvo da agenda nacional. Se você observar a última pesquisa que foi feita, as Forças Armadas tem 84% de prestígio com a sociedade.
Existe uma pressão de alguns setores do governo, principalmente da Secretaria Especial de Direitos Humanos, e de organismos internacionais como a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA, para que o Brasil siga o exemplo recente de outros países, como a Argentina e o Uruguai, no sentido de liberar os arquivos relacionados ao período da ditadura militar e parar de utilizar a lei de anistia como mecanismo que impeça a responsabilização legal de agentes da repressão que praticaram tortura. Por quê o Brasil não pode seguir o mesmo caminho?
Nós estamos abrindo o que temos. Os militares me informam que os registros desapareceram. O que estou tentando é recuperar alguns que foram entregues por algumas pessoas para o Ministério da Justiça. Estou trazendo o que o Ministério da Justiça recebeu, para dar autenticidade. Na parte de anistia, o que nós temos é uma lei que foi discutida à época. Que foi a negociação da transição militar sem conflitos. Houve uma decisão histórica em 1979, essa decisão teve a bilateralidade da anistia. Portanto não cabe o revisionismo pela via da interpretação, como se nós estivéssemos nos substituindo ao acordo político de 1979. Tem que sair dessa tentativa polarizante entre defensores de torturadores e não-defensores de torturadores. Não é o caso, não é isso que estamos discutindo. E o fato de você ter decisões internacionais é irrelevante, porque as decisões internacionais só podem ser internalizadas quando compatíveis com o direito interno. E no Brasil você tem uma característica diferente. Os tratados têm o mesmo poder da lei ordinária. Se tem que ser feito um tratado internacional e ele conflita com a Constituição e com o sistema legal, ele não vale no Brasil. Por que? Porque o tratado sempre foi um ajuste do Executivo, sem a participação do Legislativo. E aí começa o Poder Executivo a resolver os problemas via tratados.
O ministério não teria objeções, então, por exemplo, a novas expedições com o intuito de encontrar ossadas de guerrilheiros no Araguaia...
Problema nenhum. Aliás, já fizemos 18. Aqueles que ficaram na mata desaparecem, você não tem mais como localizar, pela mudança de características dos locais. Agora, uma coisa é certa: em relação à anistia, esse assunto está na mão do Supremo. O Supremo vai decidir se é possível ou não o revisionismo do acordo político de 1979, via uma reinterpretação da Constituição, mas nossa posição é de que não compete a nós fazer isso. Uma das tradições equivocadas nossa é achar que a gente vai construir o futuro retaliando o passado. A gente queima uma energia brutal na retaliação do passado e não constrói nada para o futuro. O que a gente tem que fazer é tentar aproximar o futuro do presente e não trazer o passado para o presente.
Existe a pretensão do ministério de ampliar a participação dos batalhões de engenharia do Exército em obras do PAC?
Quem está querendo é o presidente. Os batalhões de engenharia estão servindo como referência de mercado.
Fala com a minha mulher sobre isso...