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Decolamos?

Editorial JetSite




Santos-Dumont é chamado no Brasil de Pai da Aviação. Os norte-americanos concedem a honraria aos irmãos Wright. A polêmica já dura mais de um século. Mas já parou para pensar que o Flyer dos irmãos Wright voou em Kitty Hawk, uma praia da Carolina do Sul, Estados Unidos, enquanto o 14-Bis de nosso notável Dumont, Decolou de Bagatelle, Paris.

Qual a grande diferença? Se os irmãos Wright, catapulta à mão, fizeram seu Flyer voar em sua terra pátria, nosso Dumont teve que ir à França para fazer de seu 14-Bis uma realidade. Hoje, provavelmente precisaria do mesmo expediente. O brasileiro é mesmo capaz de fazer um avião voar. Mas ainda não sabe fazer decolar sua aviação.

Seguinte: este é um dos setores mais dinâmicos, competitivos, exigentes de toda a engrenagem da economia. Poucos setores são tão exigentes em termos de capital, de material, inclusive humano como é a aviação. Diretamente, trabalham na aviação mundial mais de 40 milhões de pessoas. E, se levarmos em conta que o setor está diretamente ligado à outros 50 ramos da atividade econômica, a conta atinge números ainda mais impressionantes.

Como é impressionante constatar que a taxa de lucratividade histórica do setor é inversamente proporcional ao seu descomunal tamanho, à sua importância em escala global. De quando a primeira empredsa aérea a explorar serviços de passageiros foi fundada em 1909, (a alemã DELAG) as companhias aéreas mundiais tiveram de se contentar com a pífia taxa de 0,3% de lucratividade. Sim, é isso que você leu: de cada 100 reais vendidos, apenas 30 centavos ficaram nos cofres das companhias aéreas do mundo. O que certamente levou à velha piada que circula no meio aeronáutico: A maneira mais rápida de se ficar milionário? Pegue um bilionário e dê a ele uma companhia aérea para cuidar. Com margens irrisórias como está, é natural que este seja um setor complexo, implacável, extremamente intolerante com a falta de competência ou dedicação.

Ainda assim, é um segmento da economia que continua sendo extremamente sedutor. Basta ver o número de jovens, no mundo todo, que aceita trabalhar longas jornadas, por salários nada atrativos, apenas pelo prazer de se ver envolvido com esta magnífica indústria. Ou ainda, o interesse descomunal que qualquer acidente aéreo provoca.

Outro exemplo da importância da aviação pode ser contatado em qualquer país ou antiga colônia que se conheça por gente. Dentre as primeiras resoluções de qualquer jovem nação, encontram-se a criação da bandeira, do hino, da moeda e, advinhou: da companhia aérea. É um símbolo pátrio, um sinal de prosperidade, de coesão nacional, uma virtual embaixada voadora para o mundo todo ver.

O Brasil já teve três empresas-embaixadoras, conhecidas oficialmente como Flag Carriers, as "porta-bandeiras" de suas nações. Em nossa história, a Panair, depois a Varig e agora, a TAM, carregam esta longeva tradição. Nos três casos, podemos nos orgulhar do nível de serviço prestado. Cada uma à sua época, eram verdadeiros braços do Itamaraty nos países estrangeiros que serviam. Das três, foi a Varig quem, por mais tempo, em mais mercados, transportando mais gente, melhor traduziu nos quatro cantos do mundo o que era o padrão brasileiro de (bem) voar.

E é justamente por esta razão que não deixa de ser notável que, justamente a outrora onipresente Varig tenha sucumbido. Falta de tirocínio empresarial? Pecadilhos administrativos? Condições macro-econômicas adversas? Competição ruinosa? Tributação excessiva? Um pouco de tudo isso.

Mas o que teria derrubado a Varig, Vasp, Transbrasil e hoje dificulta a vida da Gol, da TAM, da Trip ou de qualquer empresa de táxi aéreo?

Assim como a Varig, antes dela sucumbiram nomes tradicionais como a Real, Lóide, Panair, Nacional, Cruzeiro, Aerovias. Ou muito me engano, ou não pode ser simplesmente uma coincidência a altíssima taxa de mortalidade das companhias aéreas brasileiras. Em que pese o fato de que, sim, em alguns casos as mesmas foram de fato mal administradas, o que explica tamanha mortalidade é justamente um fator isolado, que considero preponderante para as atávicas dificuldades do setor: o Brasil, a nação brasileira - sociedade e governo, cada um com sua parcela de culpa - carecem de uma visão ampla, de planejamento macro-estratégico, de longo prazo, para as necessidades do setor. A nação ainda não acordou para a real necessidade de criar um arcabouço jurídico, fomentar o pragmatismo econômico, desenhar uma paisagem financeira e estabelecer, de uma vez por todas, um ambiente favorável à Aviação Brasileira, com maiúsculas.

Quando digo Aviação, não estou me referindo apenas ao setor comercial. Minha referência é para a aviação tanto civil (nacional, regional, executiva, geral) como militar. Nossa FAB, tradicional formadora de mão de obra especializada, agoniza à espera de apoio, investimento, atenção, respeito. Vide a crise dos controladores de vôo, quase todos eles militares, deflagrada após a tragédia do Boeing da Gol, que poderia ter colocado a aviação brasileira de joelhos. A situação da categoria está resolvida? Só nos resta fazer figa.

Nossos aeroclubes, igualmente celeiros de novos talentos, minguam à falta de políticas lúcidas que lhes garantam condições de prosperar. No passado, foi preciso que um penalizado Assis Chateubriand desse asas aos aeroclubes. Hoje, não parece haver nenhum novo Robin Hood.

Nossa aviação regional, coitada, sofre para manter-se voando. Como consequência, a cada ano o Brasil assiste a redução de empresas, cidades servidas, passageiros transportados no setor. As duas honrosas exceções, nos últimos anos, têm sido justamente a avição comercial de grande porte (TAM, Gol, Webjet, OceanAir e agora a Azul) e, sobretudo, a aviação executiva.

A aviação comercial brasileira, uma das que mais cresceu nos últimos anos em todo o mundo, vê agora desenhado em seu radar, as nuvens tormentosas de uma dura realidade macro-econômica, um freio aerodinâmico aberto em plena decolagem. As companhias que cresceram dois dígitos anuais nos últimos anos, deve crescer menos de minguados 5% em 2009.

Essa quase estagnação, pardoxalmente, pode ajudar em um primeiro momento. Afinal, mantidas as taxas de crescimento dos anos anteriores, em breve teríamos um sério problema de infraestrutura, com profundas carências em aeroportos, sobretudo. É preciso colocar em perspectiva que o Brasil precisa investir muitíssimo em aeroportos se realmente deseja sediar o Copa do Mundo. O caso da cidade de São Paulo é ainda mais grave. Com ou sem o torneio, a região metropolitana carece de uma alternativa viável para Congonhas e Guarulhos, ambos trabalhando próximos de suas capacidades. Em menos de 10 anos, São Paulo começará a perder passageiros - e negócios e empresas e indústrias e comércio - para outras metrópoles, caso a construção de um terceiro aeroporto metropolitano não ganhe asas, rapidamente.

A crise mundial nos dá algum tempo extra para refletir e agir. Mas, se finalmente uma visão e um plano de desenvolvimento global, que integre todo o setor, não se realizar, com rapidez e inteligência, tão logo a economia volte a crescer, o Brasil rapidamente ficará sem pátios, pistas, terminais, aeroportos e aerovias para permitir a continuidade do pujante crescimento de sua aviação vivenciado nos últimos anos.

O Brasil precisa de mais aeroportos, mais aeroclubes, controladores, pilotos, comissários, técnicos e, acredite, mais executivos para o setor. O ciclo de treinamento de todo este contingente é mais longo do que a entrega de novas aeronaves. Em breve poderemos ter o apagão do talento, a escassez de homens e mulheres para trabalhar no setor.

Quanto à aviação executiva, seu sucesso na verdade é fruto de um preocupante paradoxo. A análise é dolorosa: o Brasil tem uma das três mais pujantes aviações executivas do mundo justamente pela carência atávica de transporte regular para boa parte deste país-continente. Na falta de linhas aéreas regulares, aqueles que podem compram e operam seus próprios aviões. Tanto é assim que alguns grupos empresariais mais pujantes jogaram a toalha e passaram a operar suas próprias aeronaves de transporte corporativo, cansadas de esperar que fossem criadas linhas regulares capazes de transportar seus colaboradores.

E como desgraça pouca é bobagem, há ainda um problema crônico que, mais do que uma vez, já foi apontado: a excessiva tributação do setor. Tomemos por eemplo as companhias aéreas nacionais. Somando-se todos os tributos (federais, estaduais, municipais), nada menos que 38% da receita bruta é tomada em impostos. Sem atraso, reclamação de passageiro, fila no check-in. Compare-se este número ao que é pago na Europa (16%) e nos Estados Unidos (8%) e fica a impressão de que o leão do fisco é um verdadeiro sócio oculto de nossas companhias aéreas. Desta maneira, é impossível às nossas empresas aéreas competirem em pé de igualdade com as Lufthansas, Americans, Britishs e Emirates da vida.

Resumo da ópera: O Brasil, mais de 500 anos após o Descobrimento, não descobriu como fazer decolar sua aviação.

Gianfranco Beting


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